O Professor Emérito, Dr. William A. Albrecht, PhD, Chefe do Departamento de Solos da Universidade do Missouri e presidente da Soil Science Society of America em 1939, foi um agrônomo devotado ( 1 ).
Vinte anos antes de haver algum tipo de preocupação com a questão ambiental, ele já lecionava de leste a oeste sobre esse assunto e foi pioneiro em estudos sobre a associação de bactérias simbióticas em soja. E foi, estudando o efeito das bases trocáveis do solo, isto é, Cálcio, Magnésio, Potássio e Sódio, sobre a nodulação dessas bactérias que ele chegou ao reconhecimento da importância do Cálcio não só para a nutrição das plantas, como também para o solo como agente floculante das argilas, além de extremamente necessário para as bactérias que ali habitam.
Extendendo seus estudos as outras bases do solo ele desvendou as suas respectivas importâncias e apresentou a comunidade científica, em um congresso internacional de solos em 1939, as proporções que ele considerou ideais para que os solos tivessem a sua fertilidade restabelecida, em contraponto a visão estreita, míope e parcial da Agronomia Ortodoxa, que prevalece até hoje, de se considerar tão somente o pH, ou seja, o potencial de H+ de um determinado solo, esquecendo-se que esse valor é relativo e que irá oscilar em relação a uma série de outros fatores como temperatura, umidade, época do ano, etc… além de não fornecer nenhum outro tipo de informação sobre a fertilidade do solo, além da sua acidez.
Temos ai, então, duas formas de observarmos um mesmo fenômeno. Dois lados de uma mesma situação . Duas faces de uma mesma moeda. A Agronomia Ortodoxa só consegue enxergar um desses lados mas é necessário observarmos sempre todo e qualquer problema sob todos os aspectos e não somente sob um único angulo.
Chamar a atenção para aspectos da realidade esquecidos, era uma característica do Prof. Albrecht. Ele tinha por hábito formular diversas outras perguntas com o intuito de despertar nos seus alunos e leitores essa mente questionadora e, por isso, eu lhe sou eternamente grato, pois esse é o papel do verdadeiro e autêntico professor.
Embora tenha sempre conduzido os seus leitores a reflexão nunca deixou de mencionar que as respostas estavam mesmo na Natureza, quando disse “You have to have a vision. Unless you do, Nature will not reveal itself” ou “Você precisa ter uma visão. A menos que a tenha, a Natureza não irá se revelar “
A principal tarefa de um professor é fazer com que seus alunos pensem e desenvolvam a sua imaginação e não, e tão somente, transmitir-lhes conhecimentos que hoje em dia, diga-se de passagem, podem ser obtidos via internet a qualquer instante e em qualquer local, até mesmo com o auxílio do seu telefone celular.
Portanto, possuir conhecimento hoje em dia não se constitui mais nenhuma vantagem como acontecia antigamente. Saber usar os conhecimentos de forma correta, lógica e construtiva, sim.
Da mesma forma ele perguntava, em outro dos seus muitos artigos, “O Mito da Seca”, seria falta de chuvas ou seria falta de matéria orgânica no solo ? ” ( 4 ).
Eu só vejo os agricultores se queixando da “falta de chuva”. Jamais vi algum deles associar o fraco desempenho da sua lavoura a falta de matéria orgânica do solo, cujo restabelecimento deveria ser o principal objetivo de todo e qualquer agricultor consciente, responsável e sustentável e que é a fração do solo que absorve e armazena a água.
Cada 1% de matéria orgânica no solo ajuda a reter 187.000 litros de agua no solo ( 5 ).
Coincidentemente, essa semana tive a oportunidade de ler a entrevista de Gabe Brown na revista Acres USA de Outubro de 2018, pag. 62, sob o título Building Resiliency (Construindo a Resiliência), onde ele coincidentemente conversava sobre formas de construir a saúde e a diversidade do solo.
Brown se tornou um ícone entre os agricultores americanos sustentáveis. Foi bastante influenciado pelo nosso conterrâneo (também um outro ícone dentro da Agricultura Sustentável) o Dr. Ademir Callegari, pesquisador aposentado, porém um profissional ainda ativo, do IAPAR. Nessa entrevista, Brown comentava que os anos de seca são até usados pelos govêrnos como forma de auto promoção com as suas ajudas econômicas e passada a crise, sempre fica tudo do mesmo jeito. As pessoas parecem não aprender com as sucessivas crises e de que nós deveríamos usar esses períodos de crise para aprendermos alguma coisa de positivo e tentarmos evoluir ( 2 )
No ano passado Brown teve uma seca bastante forte no estado de Dakota do Norte e todos os seus vizinhos sofreram com a falta de chuva, mas no seu rancho, ele não chegou a ter nenhum problema de falta de umidade muito embora fosse o mesmo tipo de solo e a mesma região. Ele conseguiu atingir esse estado de “blindagem “ da sua terra contra a seca por meio de uma série de medidas e técnicas explicadas em seu livro, Dirt to Soil, que hoje é um best seller ( 3 ), e que incluem os chamados Cinco Mandamentos para a manutenção da Saúde do Solo :
- Limitar a perturbação do meio. Limitar as perturbações mecânicas, químicas e físicas o tanto quanto possível. Além da aração que destrói a estrutura do solo e causa erosão, outros fatores como fertilizantes químicos sintéticos, herbicidas, fungicidas e pesticidas em geral também causam um grande impacto na vida do solo.
- Proteção do Solo. Manter o solo coberto todo o tempo. Solo descoberto é uma anomalia. Protegê-lo sempre do sol, do vento, da chuva e mantê-lo sempre úmido além de inibir a germinação de sementes de mato.
- Diversidade. Ter como objetivo o máximo de diversidade possível tanto de plantas, quanto de vida microbiológica e de toda a Rede Alimentícia do Solo, bem como de animais. A diversidade aumenta a eficiência do eco sistema.
- Raízes Vivas. Manter raízes vivas o tanto quanto possível durante todo o ano. As raízes vivas alimentam a biologia do solo e proporcionam uma constante fonte de alimento simples , isto é, carbono. A Biologia, por sua vez, alimenta a ciclagem de nutrientes que nutre as plantas.
- Animais Integrados. A Natureza não funciona sem os animais. Simples assim. A integração de animais proporciona vários benefícios. O maior deles é que o pastejo das plantas as estimula a “bombear” mais carbono para o solo, retirando-o da atmosfera. Isso terá também um impacto altamente positivo nas mudanças climáticas por retirar mais carbono da atmosfera e colocá-lo no solo. Se você quiser um eco sistema saudável na sua propriedade deverá providenciar um lugar e um habitat, não somente para os animais de criação, mas também para polinizadores, insetos predadores, minhocas e para a toda a microbiologia que movimenta e sustenta um eco sistema
Vejam bem, todas essas medidas devem ser mandatórias e são tão ou até mais importantes que a própria correção mineral do solo. Isso é o que está sendo descoberto por quem realmente conduz e realiza a chamada Agricultura Sustentável nos Estados Unidos e em ultima analise no mundo todo.
Albrecht frequentemente dizia que “a melhor forma de corrigir as deficiências é corrigindo os excessos “ e esse pensamento é valido para que possamos entender melhor os outros problemas que ocorrem no solo.
Da mesma forma poderíamos perguntar se um baixo nível de Fosforo apresentado na analise de um determinado solo seria provocada pela falta desse elemento ou pela carência de micorrizas e pela baixa atividade microbiana das bactérias solubilizadoras de fósforo no solo em decorrência do excesso de intervenções quer sejam mecânicas ou químicas nesse mesmo solo ou pelo baixo teor de matéria orgânica. São os dois lados da mesma moeda.
Ou então, poderíamos igualmente perguntar: Esse solo está carente de oxigênio ou está compactado demais ? É a mesma coisa vista sob dois prismas diferentes e opostos.
Seria falta de Nitrogênio ou deficiência de bactérias nitrificadoras, de Humus, de amino ácidos e de proteínas no solo ? E assim por diante.
Doenças e Insetos seriam um “castigo de Deus”, um evento aleatório, ou um reflexo da baixa densidade nutricional de uma planta ou, muitas vezes, um reflexo de um vazio biológico ?
A Agricultura mundial está vivendo nesse exato momento uma transição. Está em completa transformação. Depois de séculos de um processo ilusório fomentado e sustentado pela academia míope, analfabeta funcional incapaz de “ler” a Natureza, como preconizava Albrecht, valendo-se única e exclusivamente de uma meia ciência cooptada pela industria de fertilizantes, os agricultores começam lentamente a despertar desse pesadelo que durou exatos 179 anos.
Para que isso acontecesse foi preciso que oceanos se tornassem poluídos pelo excesso de nitrogênio usado na agricultura, assim como lagos e aquíferos também ficassem com níveis elevados de nitrogênio, fósforo e glifosato, solos tivessem seus níveis de matéria orgânica reduzidos a menos de 1% e perdessem a sua biodiversidade, e que esse mesmo carbono fosse parar na atmosfera contribuindo enormemente para o chamado Efeito Estuda.
Entretanto, os agricultores, cansados de serem ludibriados, resolveram dar um grande e rotundo “Basta !” a todo esse imbroglio pseudo-científico.
Esperamos que ainda haja tempo de revertermos os danos causados por 179 anos de irresponsabilidade científica.
José Luiz M Garcia
Instituto de Agricultura Biológica
4 de Março de 2019.
Referências
- Albrecht, W.A. ( ) Wikipedia, https://en.wikipedia.org/wiki/William_Albrecht
- Brown, Gabe (2018) Building Resilience, Acres USA Magazine, October 2018, pg. 62-70.
- Brown, Gabe (2018) Dirt to Soil, Chelsea Green Publishing, White River Junction, VT, USA, 223 pgs.
- Albrecht, W. A. ( 2000 ) The Drought Myth: An Absence of Water is Not the Problem, Acres USA Magazine, Vol.30, No. 11, Cover story, Nov.2000.
- Bryant, Lara (2015) Organic Matter can improve your soil’s water holding capacity, Expert Blog, NRDC,
Muito interessante , o estado natural é um aliado, e de maneira nenhuma deve ser tratado com desprezo , ou como um escravo a serviço de seu senhorio.
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Perfeito.
Porém eu tentei focar mais na questão da multiplicidade de enfoques que todo problema merece ter.
Por exemplo essa questão do gás metano produzido pelo gado que é tanto criticado pelos chamados “donos da verdade” e “defensores da Natureza de plantão”. Eles estão tão desinformados que a maioria deles ainda acha que o gás metano sai da extremidade oposta a cabeça da vaca, quando na verdade ele é arrotado e é fruto da fermentação das bactérias metanogênicas que estão no rúmem desses animais.
O gado ao regurgitar o bolo alimentar para ser ruminado libera o gás metano pela boca.
Ocorre que esse gás ao chegar a atmosfera se combina rapidamente com o vapor d’água e volta ser CO2 rapidamente, e é reabsorvido de volta pelas plantas que esse mesmo gado pastejou e estimulou a rebrotarem e, portanto, a consumirem mais CO2.
Eu já vi de tudo nessa vida. Até um ícone da chamada Agricultura “Sustentável” dizer que ( pasmem) “o calcário contribui para o efeito estufa por liberar CO2”, se esquecendo que esse mesmo calcário, que sim libera CO2, faz com que as plantas se desenvolvam melhor, cresçam, se desenvolvam e com isso voltem a reabsorver todo esse CO2 liberado e de quebra ainda mais um outro tanto previamente existente na atmosfera. Ou seja o balanço é negativo, isto é, sai mais CO2 do que entra e isso é bom. A esse tipo de raciocínio eu chamo de raciocínio míope.
Outro grupo de animais que também produz gás metano seriam os cupins, devido a sua flora intestinal de bactérias metanogênicas, mas desses eu ainda não vi nenhum desses sabichões falar mal até hoje.
Até hoje eu só vi casos de Bovinofobia e agora esse caso esporádico de Calcariofobia.
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Estou gostando muito da suas postagens professor. Parabéns!
Sou estudante do ultimo ano de agronomia, e não me conformo com a ciências agrarias.
Quanto mais estudo sobre os benefícios que a vida no solo pode favorecer as plantas, fico mais convicto que nos Eng agrônomos somos loucos, prepotentes e burros.
Somos doutrinados a trabalhar contra a natureza. E imaginamos que nosso conhecimento de química, CTC, fertilidade do solo etc, podemos oferecer a planta um serviço melhor do que a natureza oferece. Grande ilusão!
A química jamais poderá substituir a biologia!
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Agradeço as suas palavras de incentivo.
Porém, veja toda essa questão por um outro prisma.
Que tal se eles estivessem certos e nós estivesse-mos errados ? Seria bem pior.
O seu emprego já está garantido e estará sempre garantido enquanto eles estiverem errados.
Para agrônomos como você nunca faltarão empregos.
O meu conselho é : Aprenda e pratique bem o inglês de depois tente adquirir alguma experiência em
Agricultura Biológica de preferência na Australia, Nova Zelândia ou Estados Unidos.
Nesse campo infelizmente ainda não existe formação acadêmica mas tem muita gente boa trabalhando
no dia-a-dia e obtendo resultados excelentes.
Sds
Jose Luiz
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Bom dia, professor. Aproveitando o comentário, você não poderia indicar lugares onde você pensa que esse trabalho está sendo bem feito? Independentemente de onde seja, EUA, etc… Atinei para isso que falou há um tempo, sou estudante de agronomia e gostaria de, em breve, ir passar um tempo em algum(s) desses lugares. Seria ótimo ouvir sua opinião. Abraços!
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Bom Dia Rodrigo,
Se eu te aponto a Lua com o meu dedo mas ao invés de conseguir ver a Lua vc ficar olhando para a ponta do meu dedo levará um tempo considerável até que consigas ver a própria Lua.
Albrecht foi um grande, um excelente pesquisador e Professor de Solos. Talvez o maior que o mundo talvez tenha conhecido. Seus ensinamentos serviram de base para o que nos hoje chamamos de Agricultura Biológica. Se quiseres saber mais sobre o seu método deverás fazer os três cursos do Neal Kinsey ( KinseyAg Labs).
Entretanto, entre o Prof. Albrecht e o Doc Carey Reams, eu fico com o segundo porque ele conseguiu levar a agricultura a um patamar superior e motivar os seus seguidores e alunos a continuarem nessa mesma senda. O sistema desenvolvido pelo Doc Reams permite que a gente consiga incluir outros conceitos, como por exemplo o conceito de energia, que falta no enfoque Albrechteriano.
Estudar Albrecht hoje em dia se equivale a estudar a história da ciência de solos. A menos que vc queira ser um historiador da agricultura alternativa eu creio que não valeria a pena.
Agora se quiser realmente aprender alguma coisa procure tudo que esteja ligado a “High Brix”, “Biological Agriculture”, etc…
Tente fazer um estágio na Midwest Bio Ag mas não se esqueça que nos EUA fazer estágio significa trabalhar pesado e não ficar filosofando e tomando cafezinho ( que lá nem tem ) como aqui no Brasil.
Abs
Jose Luiz
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Bom dia, professor. Aproveitando o comentário, poderia indicar locais (institutos, propriedades, pessoas) que você admira e pensa que estão fazendo um bom trabalho? Sou estudante de agronomia, atinei para isso que disse há um tempo e estou planejando passar um tempo em algum(s) desses lugares. Seria ótimo sua opinião. Abraços!
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Dr Vinagre,sou José Eugênio agrônomo e empresário agricola,estou entrando nesse mundo da agrobiologia ,sou agricultor tradicional, aonde o Sr tem sua “rotina” para poder contata lo para uma primeira conversa.Estou em solos restritivos de argila na região de Assis interior do Estado de São Paulo
Abs JEug
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Oi Eugenio,
A melhor coisa seria vc primeiro ou ler a minha apostila , que na verdade é um verdadeiro livro pois tem 143 paginas,
e o máximo dos meus artigos possíveis.
Fazer o meu curso ajudaria muito também. Depois disso se vc tiver alguma dúvida eu poderia esclarecer.
A minha consultoria para iniciantes seria muito cara pois eu consulto mais para os próprios consultores.
Você tem que aprender o Be-A-Bá lendo ou fazendo os meus cursos.
Mande seu e mail para drvinagrephd@gmail.com que eu lhe responderei de acordo inclusive informando o
meu telefone.
Abs
José Luiz
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