A Rede Alimentícia do Solo (Soil Food Web) é um sistema de fundamental importância para a produtividade agrícola. Os fungos micorrízicos desempenham um papel chave no funcionamento dessa rede, absorvendo açucares produzidos pelas plantas e oriundos da fotossíntese, e fornecendo a energia tão necessária para o ecossistema do solo.
Os fungos micorrízicos também melhoram a estabilidade dos agregados de solo, da estrutura do solo, produzem o carbono estável do solo, melhoram a eficiência do uso da água pela planta e aumentam a eficiência da utilização de importantes nutrientes como nitrogênio, fósforo e enxofre, além de, hoje já sabemos, inúmeros outros como Cálcio, Potássio, Magnésio, Ferro, Manganês, Zinco, Cobre, Boro e Molibdênio.
A pesquisa e a tecnologia agrícola, oriundas da escolas de Agricultura em todo o mundo, infelizmente tendem a considerar o manejo das terras de culturas e pastagens, sempre sob o prisma convencional, onde a perda da diversidade da cobertura vegetal perene e(ou) o uso intensivo de pesticidas, reduzem drasticamente o número e a diversidade dos microrganismos do solo, que incluem micróbios benéficos, como os fungos micorrízicos, além de vários outros. Devido a isso, a contribuição das comunidades microbianas suportadas pelas plantas para a produtividade agrícola tem sido grandemente subestimada, quando não totalmente ignoradas.
O que são micorrizas e como elas trabalham?
Fungos Micorrízicos são “simbiontes obrigatórios”. Isso significa que eles precisam formar uma associação com plantas vivas. Eles adquirem a sua energia na forma líquida, como açucares dissolvidos, extraídos diretamente das raízes em crescimento ativo. Os fungos micorrízicos não conseguem obter energia de nenhuma outra maneira. Eles possuem mecanismos que os permitem sobreviver quando as plantas hospedeiras estão dormentes, mas não sobrevivem se as plantas hospedeiras são removidas.
Fungos micorrízicos produzem emaranhados de citoplasmas finos como cabelo (hifas) com uma ponta hífica em cada extremidade. Uma ponta penetra na raiz da planta e a outra ponta explora a matriz do solo. Embora as hifas sejam de diâmetro muito pequeno (geralmente menos de 10 micrometros), a rede de micélios pode se estender por vários hectares.
Fungos Micorrízicos não são microrganismos na realidade, mas macro organismos formados de unidades microscópicas.
Eles possuem uma arquitetura tipo leque (Fig. 1), com um “tronco” principal longo que se ramifica em redes de hifas absorventes cada vez mais finas. Poderão existir mais de 100 pontas híficas ao final de cada “ramo”. Essas redes se estendem desde o sistema radicular até a matriz do solo, muito além da zona ocupada pelas raízes e seus pelos absorventes. A área de absorção das hifas micorrízicas é aproximadamente 10 vezes mais eficiente do que a dos pelos absorventes, e de 100 a 1.000 vezes mais eficiente do que a das raízes.
Uma relação simbiótica incrível
As plantas colonizadas pelos fungos micorrízicos poderão crescer de 10 a 20% mais rápido do que as plantas não colonizadas, muito embora elas estejam “dando” de 40 a 50% dos seus açucares fotossintetizados para sustentar as redes micorrízicas e demais microrganismos associados. Uma das razões para esse aparente paradoxo é que as plantas colonizadas por micorrizas exibem conteúdos mais elevados de clorofila e taxas de fotossíntese mais altas do que plantas não colonizadas. Isso permite a elas fixarem quantidades maiores de carbono via produção de fotossintetizados para transferência para as hifas no solo.
Em troca do carbono solúvel doado pelo seu hospedeiro, os fungos micorrízicos fornecem nutrientes como nitrogênio, fósforo, enxofre, potássio, cálcio, magnésio e micro nutrientes essenciais como ferro, cobre, molibdênio, zinco, boro e manganês. É de fato uma relação simbiótica incrível. As hifas micorrízicas possuem um sistema de vacúolo tubular que permite o fluxo bidirecional. Isto é, o carbono orgânico dissolvido do hospedeiro e os nutrientes do solo podem mover-se rapidamente e simultaneamente em direções opostas.
Todos os grupos de fungos micorrízicos requerem um hospedeiro vivo, porém a coisa vai mais além do que simplesmente plantas e fungos. Uma ampla gama de microflora associativa está envolvida. Por exemplo, a colonização das raízes das plantas pelas micorrizas é aumentada pela presença de certas bactérias “ajudantes”. Existe ainda colônias ativas de bactérias nas pontas híficas, produzindo enzimas que solubilizam nutrientes vegetais que, de outra forma, estariam indisponíveis.
Fungos Micorrizicos e carbono do solo
A Glomalina, que é uma glico-proteína de vida longa (uma proteína que contém açúcar e é de difícil degradação), é uma forma altamente estável de carbono do solo que proporciona uma cobertura protetora para as hifas dos fungos micorrízicos (Fig.2) que também é depositada nas partículas de solo mais próximas.
As hifas fúngicas também contribuem para a formação de agregados estáveis de solo providenciando o ambiente físico e químico requerido para a humificação. Nesse processo, os compostos de carbono de cadeias curtas, exudados pelas raízes, são polimerizados para formar o húmus, uma substancia tipo gelatinosa de elevado peso molecular que consegue reter de 4 a 20 vezes o seu próprio peso em água. As substancias húmicas melhoram significativamente a estrutura do solo, bem como sua porosidade e capacidade de troca de cátions (CTC) e consequentemente o crescimento vegetal.
Tanto a Glomalina como o Húmus são importantes e significantes para o debate atual sobre a transiência do carbono do solo, uma vez que essas frações estáveis de carbono não podem ser destruídas pela seca ou pelo fogo.
Impactos no manejo dos solos
O aumento da quantidade de carbono estável armazenado em solos agrícolas via fungos micorrízicos irá requerer uma re-engenharia de várias técnicas atuais de manejo de solos. Os fatores que impactam negativamente as micorrizas incluem: falta de cobertura contínua, cultivo de uma única espécie agrícola ou de pasto (monocultura) e a aplicação de herbicidas, fungicidas ou inseticidas.
Os fungos micorrízicos também são inibidos pela aplicação de grandes quantidades de nitrogênio e fósforo solúveis e pela presença de lavouras não micorrizáveis (como canola). A aração tem um efeito menos deletério do que previamente se pensava. Estudos recentes demonstraram que o uso de produtos químicos tem um efeito muito mais danoso do que uma perturbação moderada do solo. Práticas agrícolas biologicamente corretas baseadas em coberturas vegetais vivas o ano todo (ex. cobertura verde ou pasto) e o uso de biofertilizantes, aumentam a quantidade e a diversidade das micorrizas e são mais benéficas para a saúde do solo do que sistemas agrícolas químicos baseados em solos desnudos de forma intermitente e perturbação mínima do solo.
Devido a sua pouca presença em culturas anuais e sistemas agrícolas baseados em manejos convencionais, o importante papel dos fungos micorrízicos (na aquisição de nutrientes, na dinâmica água-planta e nos processos de construção do solo) foi largamente ignorado e subestimado.
Os tipos de fungos que têm tendências a sobreviver em solos manejados convencionalmente são fungos não micorrízicos, ou seja, eles usam matéria orgânica em decomposição tais como resíduos de cultura (palhada), folhas mortas ou raízes mortas como sua fonte de energia ao invés de estarem diretamente conectados diretamente às plantas vivas. Os fungos não micorrízicos possuem redes de hifas relativamente menores.
Fungos Micorrízicos e Água
Já é bem conhecido o fato de que os fungos micorrízicos acessam e transportam os nutrientes existentes no solo em troca do carbono da planta hospedeira. Bem menos conhecido e divulgado é que, os fungos micorrizicos desempenham um papel extremamente importante na dinâmica água-planta. As pontas das hifas são hidrofílicas nas duas extremidades (tanto na ponta que está dentro da planta com na ponta que está explorando o solo) permitindo que tanto a água quanto os nutrientes se difundam de uma ponta a outra através de um gradiente de umidade.
Os fungos micorrízicos podem fornecer água às plantas em ambientes secos por meio da exploração de micro poros inacessíveis as raízes. Eles também podem melhorar a condutividade hidráulica fazendo a ligação-ponte entre macro poros em solos com baixa capacidade de retenção de água, tais como areia. Nessas situações, a capilaridade externa ao longo da hifa seria de maior importância do que o fluxo citoplasmático.
Além do mais, fungos micorrízicos podem aumentar a resistência à seca devido ao aumento do tamanho e número das raízes, bem como pelo aumento da sua profundidade no solo.
Gramíneas perenes e micorrízicas
Densidades maiores de hifas micorrízicas são mais encontradas em pastagens de gramíneas saudáveis e perenes do que em qualquer outra comunidade vegetal. Foi estimado que as hifas nos 10 cm superficiais de 4 metros quadrados (4 m2) de pastagens perenes, se conectadas umas as outras, teriam tamanho suficiente para dar a volta a Terra pelo Equador.
Grandes culturas poderiam se beneficiar enormemente de fileiras com espaçamento mais amplo ou touceiras de gramíneas perenes de vida longa e(ou) arbustos forrageiros micorrizáveis. Por enquanto, ainda não sabemos a massa crítica exigida para melhorar a função do ecossistema edáfico, porém ele pode necessitar de não mais que 5 a 10% de cobertura perene micorrizável. Em comunidades vegetais diversas, as plantas com micorrizas compatíveis se juntam em redes miceliais comuns, chamadas de associações (guilds). Essas redes conectam uma planta com a outra, incluindo plantas não micorrizáveis como as Brassicas, permitindo a troca de nutrientes e água. Esse aspecto pode ajudar a explicar o porquê das comunidades de plantas mistas desempenharem melhor do que uma única cultura (monoculturas).
Além da resiliência conferida pelas associações micorrízicas (guilds), o benefício de redes permanentes de micélios em termos de estabilização de agregados, porosidade, aumento da capacidade de retenção de água, redução da erosão e melhoria da disponibilidade de nutrientes nos solos são imensos.
A presença de coberturas vegetais vivas reduz a erosão, tampona as temperaturas (evita flutuações bruscas), melhora a infiltração e melhora sensivelmente o ambiente para a biota do solo. Significativamente, é a capacidade fotossintética das plantas vivas (mais do que a quantidade de biomassa morta adicionada ao solo) que é o principal agente para a acumulação do carbono no solo. Diante desse tipo de informação o nosso entendimento como agricultores biológicos sobre a pratica conhecida como “Adubação Verde” muda drasticamente, pois sempre se imaginou que era o acumulo de carbono oriundo da parte aérea dos vegetais que melhorava o solo.
Técnicas de manejo que melhorem o vigor da cobertura viva do solo, que promovam o crescimento e o desenvolvimento da colonização micorrízica, aumentem a produção de glomalina e melhore o processo de humificação, irão contribuir para o armazenamento de longo prazo do carbono do solo, melhorar as funções do solo e aumentar significativamente a resiliência às variações climáticas, com reflexos positivos esperados sobre a produtividade a sustentabilidade.
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Literatura recomendada
Allen, M.F.(2007) Mychorrizal fungi: highways for water and nutrientes in arid soils. Soil Vadose Zone Journal, 6:291-297. Doi:10.2136/vzj2006.0068.Soil Science Society of America, www.vadosezonejournal.org
Grantham, Alison (2009). Mycorrhiza matter !! How Land Management impacts these microbes and how they can impact the world when soil is living and breathing. http://rodaleinstitute.org/20090806/gw1
Leake, J.R.; Johnson D; Donnely, DP; Muckle, GE; Boddy, L. and Read, DJ (2004) Networks of Power and Influence: The role of mycorrhizal mycellium in controlling plant communities and agrosystem functioning. Canadian Journal of Botany, 82: 1016-1045. doi:10.1139/B04-060
Fig. 1. A arquitetura tipo leque finamente ramificada das hifas micorrízicas (brancas) colonizando as raízes (amarelas) de um seedling de pinus. Cortesia de Aberdeen Mycorrhizal Research Group
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Fig. 2. Técnicas de Laboratório permitem que a glomalina seja observada como uma substancia fluorescente verde cobrindo fungos micorrízicos com aspecto de linhas.
O IAB agradece a colaboração da Eng. Agrônoma Adriana Novôa pela revisão do texto
A extraordinária vida no solo que por teimosia ou falta de conhecimento ignoramos. Maravilhoso!
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Caramba! Um enorme VIVA a esses pesquisadores abnegados na melhoria da produção sustentável. Eu, como produtor rural, quero muito poder participar desse projeto e contribuir para a reconstrução de nossos solos!
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Fiquei impressionada com os benefícios da utilização de fungos micorrízicos em substituição à utilização de adubos químicos. Um outro fator importante a se considerar é que, em um solo contaminado por metais pesados, esses elementos químicos danosos ao meio ambiente são adsorvidos às raízes das plantas, sem prejudicar o homem e os animais que as consomem.
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Rosemary,
Boa Tarde.
Vc tem toda a razão no papel das micorrizas na substituição dos fertilizantes químicos.
Porém, com relação aos Metais Pesados, eles são, de fato, absorvidos pelas plantas e irão fazer mal sim a quem os ingerir
principalmente se a planta for algum tipo de planta acumuladora como é o cânhamo.
Felizmente, no caso do cânhamo (Cannabis sp.), a planta não é ingerida e sim usada pelo seu teor de
fibra, mas tem as espécies com alto teor de THC que são vaporizada o que também liberaria esses metais.
Com metal pesado não se brinca.
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