Histórias sobre a metade oculta da Natureza
Um conhecido que vive na Australia, Graeme Sait, fez uma palestra para um grupo de ativistas contra o aquecimento global e contra a destruição de florestas, no City Hall de Los Angeles, California, no ano passado ( 7 ).
Ele ficou surpreso com a total ignorância desse grupo sobre os organismos que habitam o solo, como por exemplo as micorrizas e bactérias nitrificadoras e de substâncias, importantíssimas para a manutenção desse eco-sistema subterrâneo, como Glomalina e o Humus. A razão da sua surpresa foi justamente porque grande parte do carbono existente no planeta encontra-se fixado na forma de Humus e de Glomalina no solo e não somente na forma de plantas ou florestas e, por não serem vistos, quase nunca são considerados.
Essas pessoas estavam, na melhor das intenções, tentando salvar o planeta sem contudo saberem a respeito de algumas substâncias mais importantes para a nossa própria sobrevivência nesse planeta em que habitamos, como o Humus e a Glomalina.
Como sabemos, o Humus e a Glomalina são produzidos no solo pela ação de microrganismos como as micorrizas, além das bactérias do solo, entre outros.
O fato é que a maioria das pessoas não se dá conta do que está justamente embaixo dos seus próprios pés, em outras palavras, o ser humano só leva em consideração aquilo que ele consegue ver com seus próprios olhos.
No entanto, são esses mesmos seres microscópicos e substâncias subterrâneas, junto com a fotossíntese, os responsáveis pela existência da vida na Terra e deveriam, por isso mesmo, serem evidenciados, defendidos e até mesmo reverenciados como essenciais a manutenção da vida no nosso planeta.
Estima-se que as plantas tenham adquirido a capacidade de colher a energia do sol por meio da fotossíntese, a cerca de 3,5 bilhões de anos atrás o que deu condições para que carboidratos pudessem ser formados dando início ao processo de criação da vida na Terra.
Mas foi somente depois de mais um bilhão de anos que algumas poucas bactérias (até hoje só se conhecem cerca de duzentas delas de um total de dezenas de milhares presentes no solo e nos mares) adquiriram a capacidade de “fixar” o Nitrogênio em moléculas de Amônio (NH4) tornando, então, possível a síntese de amino ácidos, proteínas e do próprio DNA de organismos superiores, possibilitando, então, que plantas e animais pudessem ser criados e evoluissem.
Todas as formas de vida existentes na Terra dependem desse grupo de procariontes (bactéria e archea) para converter o Nitrogênio atmosférico em uma forma que possa ser utilizada pelo resto de nós.
Dentre essas bactérias, não mais que 20 genes foram identificados como responsáveis pela síntese e controle da nitrogenase ( 1 ).
Vale dizer que foram essas cerca de 200 bactérias que tornaram possível a existência da vida na Terra, porque muito embora o Nitrogênio seja bastante abundante na atmosfera (quase 80%) ele não pode ser utilizado por nenhum fungo, actinomiceto, protozoário ou planta na forma de gás.
A principal razão para que isso aconteça é que os dois átomos do gás Nitrogênio ( N2) estão intimamente ligados por uma tripla ligação extremamente forte.
Para que esses dois átomos se separem é necessário que uma enzima, altamente especializada, conhecida por NITROGENASE, entre em ação.
Já foi dito que a Nitrogenase é uma gigante entre todas as enzimas, tanto no sentido literal (ela é uma molécula enorme e complexa), quanto na sua importância biogeoquímica global (1). Imaginem uma panela de macarrão, pois bem, a Nitrogenase seria equivalente a duas panelas de macarrão na sua configuração e tamanho.
Ela é composta de duas proteínas gigantes que se separam e se juntam novamente, oito vezes num espaço de tempo de 1.2 segundos, para converter uma molécula de N2 à amônio (NH4), que é uma molécula mais utilizável pelos organismos vivos. Esse emaranhado de voltas e dobras junto com cargas elétricas de diversas naturezas ajudam a manter as moléculas de N2 no lugar para que outras moléculas, como água, possam ser cuidadosamente trazidas a posicões adequadas para que inteirações químicas possam ser devidamente estimuladas.
Para nós que costumamos nos preocupar com a fragilidade do equilíbrio da Natureza, pode ser um pouco alarmante saber que existem não mais que apenas alguns quilos dessa preciosa enzima em todo o planeta Terra.
Todo o suprimento de nitrogenase no mundo caberia folgadamente dentro de um balde de 20 litros (1). A perda dessa quantidade de enzima significaria colocar um fim em toda a vida da Terra. Esse fato, por sí só, já demonstra a importância dos organismos fixadores de nitrogênio e a importância de focarmos o mundo subterrâneo que habita embaixo dos nossos pés e, sempre que possivel, protegê-lo.
Literalmente todo o nitrogênio que existe nas proteínas e DNA dentro dos nossos corpos foram, a um determinado tempo, canalizados a nós pela fixação simbiótica e assimbiótica executada pelas bactérias fixadoras de nitrogênio do solo. A esses seres e a enzima Nitrogenase, portanto, devemos a existência da vida na Terra e a nossa própria vida.
Mas qual seria o significado disso tudo ?
Pra começar, a maioria das reações químicas ocorre em frações de segundos ou nanosegundos. A duração de 1.2 segundos é mil vezes maior do que a velocidade da maioria dos processos bioquímicos. Ela é lenta para os padrões bioquímicos. Uma das razões seria a ligação tripla, que mantém os dois átomos de N juntos, sendo assim extremamente forte.
Essa é também a razão pelo qual o processo industrial de transformação do N atmosférico em amônia (Síntese de Haber-Bosch – Prêmio Nobel de Química de 1918 e 1931) seja um processo que requer quantidades enormes de energia. É também um dos principais motivos da atual produção de alimentos no mundo, de forma totalmente quimicalizada, e com aparente sucesso financeiro denominado “ad nauseam” de AGRONEGÓCIO seja, na verdade, é um enorme fracasso em termos energéticos, ambientais, toxicológicos, sociais e, ao que tudo indica, também nutricionais.
Vale dizer que a utiização de fertilizantes químicos é somente possível hoje em dia, devido e utilização e a queima, do que Jerry Brunetti chamou de, “Fotossíntese Préhistórica” ou “Sol Pré Histórico”, isto é, devido ao carbono fixado por plantas a bilhões de anos atrás que são os atuais combustíveis fósseis (5).
A beleza da Nitrogenase reside exatamente no fato de fazer exatamente a mesma coisa que a síntese de Haber-Bosch com um consumo de energia infinitamente menor. Entretanto, quando comparada aos padrões bioquímicos, ela “gasta” mais energia que outros processos e, devido a isso, os organismos de vida livre, como o Azospirillum, Azotobacter e outros, estão em desvantagem e precisam obter essa energia extra a partir dos carboidratos ou outras moléculas que forneçam energia, enquanto que os organismos simbióticos (como Rhizobium e Bradyrhizobium) as recebem diretamente das plantas por meio dos exudatos radiculares.
O nosso país, sempre a reboque dos avanços tecnológicos de outros países, sem ter obtido até hoje nenhum Premio Nobel, em parte devido ao espírito egoista e não associativo dos nossos cientistas, fato esse já abordado por vários outros autores ( 4 ) , tem, nesse caso, muito com que se orgulhar pois alguns desses importantes organismos fixadores de Nitrogênio, endofíticos, como por exemplo o Azospirillum brasiliense, foram isolados e descobertos pela brilhante cientista brasileira, de origem alemã, a Dra. Johanna Döbereiner, pesquisadora do antigo CNEPA e atual EMBRAPA.
Quando digo que nós somos egoistas e não associativos , exemplifico com o caso da Dra Johanna Döbereiner. Ela foi, sem sombra de dúvida alguma, a cientista mais importante e brilhante em toda a história da agricultura brasileira. Na minha modesta opinião, deveria haver uma estátua sua na frente de todas as escolas de Agronomia do país, tal a sua importância para a agricultura brasileira.
Não só pelo fato de ser a cientista brasileira mais citada na literatura científica mundial, como também pela descoberta, isolamento e reclassificação do gênero Spirillum para Azospirillum (pelo fato de fixarem Nitrogênio), mas também porque durante o perído do governo militar, errôneamente denominado de ditadura militar (3), ela foi a responsável por toda a pesquisa sobre quais variedades de soja deveriam ser cultivadas no Brasil, dando ênfase naquelas que melhor se adaptavam a fixação simbiótica de nitrogênio em oposição aos geneticistas de soja da ESALQ, formados em Universidades americanas, que queriam dar ênfase a produtividade baseada na fertilização química. As suas pesquisas em cana-de-açucar também possibilitaram a concretização do Programa Pró-Alcool ( 2 ).
Sua contribuição a pesquisa agrícola brasileira economiza ao Brasil, por ano, cerca de 1,5 bilhões de dólares ( 2 ), mas nem por isso é lhe dado o devido crédito e o valor merecidos. Seria pelo machismo acadêmico? Seria pela sua proximidade e convivência com o governo militar, fato que até hoje é criticado pela Academia esquerdopata carente de informação histórica? O tempo dirá, mas os números são incontestáveis.
A economia em importação de adubos nitrogenados, oriundos da Reação de Haber-Bosch, é perfeitamente quantificável, mas e o que dizer dos benefícios desses organismos fixadores de Nitrogênio, como o Azospirillum braziliense, que somente agora estamos aprendendo a usar? Como quantificá-los?
Testes preliminares em soja a campo, usando o conceito da co-inoculação com Bradyrhizobium, Azospirillum brasiliense e Bacillus subtilis, demonstraram ser possível iniciar-se a nodulação no estágio V1, sendo que todos os livros textos de agricultura e fisiologia vegetal insistem em dizer que esse fato somente é possível nos estágios V3 e V4 ( 6 ). Qual o impacto dessa melhoria da nodulação na produtividade da soja? Quanto essa aceleração da nodulação irá significar em aumento de produtividade e de produção na soja ?
Enfim, a Dra Johanna Döbereiner continua dando lucros a agricultura brasileira e ao país mesmo depois de falecida e mesmo depois de ser tão pouco conhecida, homenageada ou reverenciada pelas pessoas da terra que escolheu para ser sua moradia e pela qual dedicou toda a sua vida.
Aos poucos vamos aprendendo que em microbiologia do solo o uso de consórcios de microrganismos é sempre mais vantajoso do que a utilização de organismos isolados e que em Agricultura Biológica ou BioAgronomia, 1 + 1 será sempre maior do que 2.
O que dizer, então, dos fungos micorrizicos, tanto endo como ecto, que evoluiram com as plantas, e que são importantíssimos tanto na nutrição vegetal, ampliando a esfera de ação da rizosfera quanto para a fixação do carbono no solo ao produzirem a glico-proteína recalcitrante chamada de glomalina e ao melhorarem sensivelmente a nutrição das plantas.
E o que dizer, novamente, do Humus que ainda é a melhor ferramenta de manejo da água no nosso planeta. O aumento de 1% da matéria orgânica no solo, na forma de humus, possibilita a retenção de 170.000 litros de agua por hectare. No meu modo de ver, é ainda a melhor forma de se reter água no ambiente sem a construção de barragens ou represas caras. O Humus patrocina o melhoramento da estrutura do solo que permite esse maior acumulo de água.
E barragens e represas somente poderão lhe fornecer água. Vários estudos demonstram que o Humus aumenta o valor nutritivo das frutas e hortaliças por permitir um aumento na capacidade do solo em armazenar minerais. Previne a lixiviação do Nitrogênio diminuindo a contaminação ambiental devido as suas qualidades quelatizantes. Como sabemos, a contaminação dos oceanos pelo nitrogênio lixiviado das lavouras convencionais tem um potencial poluidor ainda maior que o tão mencionado efeito estufa, via CO2 .
O Humus é produzido por essa rede de micro-vida do solo também chamada de Rede Alimentícia do Solo (Soil Food Web) para ser utilizado por esses mesmos organismos em períodos de escassez tal e qual abelhas produzem mel para a sua alimentação em períodos adversos ( 8 ). E são esses mesmos microrganismos que transformam os minerais oxidados em formas reduzidas que possam ser utilizadas pelas plantas ( 9 ). Existe sempre um microrganismo por trás de cada mineral no solo.
O que nós observamos no solo são verdadeiros milagres acontecendo a cada nano segundo. Como no caso dos ativistas defensores do planeta Terra, é frustante ver como as pessoas hoje em dia vivem totalmente divorciadas da fonte dos seus alimentos.
A própria etimologia da palavra HUMUS significa do chão, do solo e da terra, assim como a palavra HUMANO também significa da Terra e para a Terra. A mesma origem está na palavra HUMILDADE. Talvez seja por falta dessa mesma humildade que a tecnologia agrícola oriunda das universidades e institutos de pesquisa queira sempre subjugar a Natureza aos seus caprichos, muitas das vezes mesquinhos, ao invés de trabalhar junto com ela.
Talvez seja a hora de demonstrarmos mais humildade, que sejamos mais humanos e passemos a nos preocupar mais seriamente com o que existe embaixo dos nossos pés. Nesse momento iremos dar o devido valor ao Humus porque é ele que permite que sejam produzidos os solos saudáveis que irão produzir plantas saudáveis que por sua vez produzirão pessoas e animais saudáveis.
O meio ambiente mais saudável agradeceria sem dúvida alguma.
Dezembro de 2016.
Permitida a Reprodução total ou parcial desde que mencionada a fonte.
Literatura Citada
- Wolfe, David D. 2001. Tales from the Underground- A Natural History of Subterranean Life, Perseus Publishing, 221 pgs.
- Döbereiner, Johanna. Wikipedia. https://pt.wikipedia.org/wiki/Johanna_Döbereiner
- Villa, Marco Antonio.2014. Ditadura à brasileira: 1964-1985: A Democraci Golpeada à Esquerda e à Direita, Casa da Palavra-Leya, 432 pgs.
- Coutinho, Marilia.1999. O Nobel Perdido, Folha de São Paulo, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe07029901.htm
- Brunetti, Jerry. 2014. The Farm as Ecosystem, Tapping Nature’s Reservoir-Biology, Geology, Diversity, Acres USA, 335 pgs.
- Garcia, Rafael. 2016. Comunicação Pessoal.
- Sait, Graeme. TED x Noosa. https://www.youtube.com/watch?v=8Q1VnwcpW7E
- Lovel, Hugh. Quantum Agriculture. 2014. Quantum Agriculture Publishers, Georgia, USA, 216 pgs.
- Huber, Don. Professor Emeritus. Purdue University, Comunicação Pessoal.
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