Plantas são Mixotrópicas -Uma nova Hipótese
Os organismos vivos geralmente são divididos, quanto a sua forma de obter alimentos, entre autotróficos (que conseguem retirar todo o seu sustento a partir de fontes inorgânicas em presença de luz ) e heterotróficos (que conseguem retirar o seus sustento de fontes orgânicas ). Entretanto, existe aqueles que podem ocupar qualquer lugar dentro desse espectro contínuo entre completamente autotróficos e completamente heterotróficos e que são denominados de Mixotrópicos, ou seja poderão funcionar de qualquer um desses dois modos simultâneamente, em maior ou menor escala.

Fig.1 – Ilustração demonstrativa sobre o modo de aquisição de alimentos de diferentes espécies onde as plantas ainda são classificadas como autotróficas.
Calcula-se que mais da metade do plankton microscópico pertença a esse grupo de organismos. Mixotrofia é um modo de vida, onde os modos heterotróficos e autotróficos trabalham simultaneamente, levando a utilização de carbono orgânico e inorgânico, em presença de luz.
Embora essa definição tenha sido feita para explicar outros organismos mixotróficos, eu confesso que nunca tinha visto uma definição melhor sobre como realmente as plantas funcionam.
Ocorre que a míope academia Von Liebiguiana, representada aqui no Brasil, pelos Garotos de Ipanema da Embrapa Solos do Rio de Janeiro, requenta há quase 180 anos a mesma velha e carcomida teoria, de que as plantas seriam autotróficas porque, pelo seu entendimento enviesado, elas “sintetizam o seu próprio sustento a partir da fotossíntese, CO2,, água e dos minerais na forma iônica presentes no solo”, nessa ordem de importância e de que “as plantas somente fazem uso de nutrientes na sua forma mineralizada”.
Essa ideia démodé, ultrapassada e cientificamente anêmica, apenas serve para justificar toda uma indústria voltada para vender a “reposição da fertilidade do solo” com elocubrações ridiculamente contábeis, baseada na venda de produtos químicos solúveis e chanceladas pelas análises de solo cada vez mais desmoralizadas e menos necessárias .
Essa teoria se apoia basicamente na idéia de que “somente íons solúveis poderiam transpor as membranas celulares vegetais” e de que a “análise química de solo teria a capacidade de informar quais ions seriam esses” que, na visão desses senhores, deveriam ser repostos por estarem em baixa concentração, já que somente se utilizam da chamada Lei do Mínimo sem sequer levar em consideração a Lei do Máximo ( 7 ).
Essa débil teoria, à luz da ciência, não mais se sustenta em virtude de todo o conhecimento acumulado pela fisiologia vegetal e celular ao longo dessas últimas décadas. A história irá julgar esses bronzeados cariocas do brejo que, sabemos, trabalham não para os agricultores que pagam o seu salário, mas para a industria de fertilizantes químicos, o único segmento beneficiado por esse pensamento enviesado e cientificamente incorreto.
As plantas não são verdadeiramente autotróficas porque mesmo em sistemas hidropônicos, que se valem de íons químicos solúveis, as bactérias ainda tem uma participação, algumas vezes até grande, em todo o processo de assimilação de nutrientes.

Fig. 2 – Planta cultivada hidropônicamente exibindo Mucigel recobrindo as suas raízes, o que demonstra que mesmo sob condições estritamente autotróficas um certo nível de contribuição orgânica ainda ocorre, principalmente com relação ao Nitrogênio.
De acordo com Jensen ( 4 ) as “plantas são versáteis “ e, eu afirmo, que isso se deve ao seu maior genoma quando comparado até ao tamanho dos genomas de organismos estritamente heterotróficos. Os angiospermas ( plantas que produzem flores verdadeiras ) possuem o segundo maior genoma entre todos os seres vivos que habitam a Terra ( Figura 2 ) o que lhes garante essa versatilidade. Nesse caso, tamanho é documento.
Portanto, quando você quiser elogiar alguém chame-a(o) de “flor”, porém quando quiser ofender não o chame de “ameba” porque, geneticamente falando, esse seria talvez o maior dos elogios que alguém poderia fazer a um mamífero, devido ao tamanho do genoma dos protozoários ser várias vezes superior ao nosso.

Figura 2. QUANDO TAMANHO É DOCUMENTO Quadro comparativo do tamanho dos genomas dos vários grupos de seres vivos existentes na Terra.
O meio hidropônico é extremamente favorável ao crescimento de bactérias e algas, tanto é que várias delas já estão sendo utilizadas comercialmente nesse setor como Azospirillum sp., B. subtilis, etc…
Agora, junte-se a esse aspecto, todas as informações contidas até mesmo no livro texto mais usado em Nutrição de Plantas, a “bíblia” escrita pelo saudoso Marschner ( 1 ), que nos dá conta da existência de Micorrizas Arbúsculo Vesiculares e Ectomicorrizas, além das bactérias que vivem na rizosfera das plantas e de toda a sua contribuição para a nutrição das plantas via produção de PGPSs e essa visão acadêmica parcial adquire, então, ares de conspiração realmente.
Por que alguém, hoje em dia e em sã consciência, teria interesse em ignorar a contribuição da Biologia na nutrição das plantas, quando se sabe desde a década de 70 que micorrizas em ambiente de florestas tropicais se alimentam de folhas em decomposição e devolvem as plantas moléculas orgânicas inteiras ? ( 2 )
A ciência demonstrou em 1960 ser possível a absorção de macromoléculas como ribonucleases, hemoglobinas e lisozimas radioativamente marcadas, por células e aventou a hipótese dessa absorção ter sido feita por pinocitose, que seria uma endocitose em meio liquido ( 5 ).
Porque até hoje não se fala em outros mecanismos de aquisição de nutrientes pelas plantas como a Rizofagia e a Endocitose ? ( 2 )
Porque não se entende, de uma vez por todas, que as plantas se beneficiam não só de minerais e nitrogênio orgânico mas também de Substâncias Promotoras de Crescimento Vegetal (PGPS) produzidas tanto pelas bactérias endofíticas quanto pelas chamadas PGPRs ou Rizobactérias Promotoras de de Crescimento Vegetal, dai o sucesso dos extratos de Ascophyllum nodosum ( KELP ) e outras algas marinhas.
Porque vocês acham que o Trichoderma foi o produto biológico cujo mercado mais cresceu no mundo nos últimos anos ? Seria porque ele é um antagonista de fungos de solo ou seria porque as plantas crescem melhor todas as vezes em que o utilizam ?
Quando é que a ciência começará a enxergar as plantas com o devido respeito aos seus inúmeros atributos e capacidades ? A começar pela sua inteligência que reside nas extremidades radiculares ( root tips ) já amplamente demonstrada científicamente ? ( 8 )
Como é que técnicos que se dizem preparados podem ignorar trabalhos científicos como o de Erich Inselsbacher ( 3 ) que demonstrou com um elaborado método “in situ “ ( sem perturbar o ambiente radicular usando extratores ) que as plantas em uma floresta recebem 80% do seu nitrogênio na forma orgânica ( amino ácidos e proteínas ) e somente 10% na forma de Amônia ( NH3 ) e 10% na forma de Nitrato ( NO3 ). Esse trabalho condenou definitivamente à morte a teoria da mineralização. Ponto.
A academia, para defender os interesses econômicos da industrias de NPK químicos solúveis chegam a fazer de tudo, inclusive obscurecer a importância de determinados elementos, como o silício, muito importante para a fisiologia das plantas ( 8 ). Esse elemento foi considerado durante décadas como não importante para a nutrição das plantas a despeito de centenas de trabalhos científicos de peso, como essa revisão do renomado fisiologista vegetal Epstein, cuja estatura científica jamais e em tempo algum, nenhum desses senhores da Embrapa Solos irá atingir.
Falta de ética e de escrúpulos à parte, e cientificamente falando, a compartimentalização do conhecimento humano mais uma vez fez outra baixa com relação a falta de popularização desse conhecimento entre a comunidade agrícola.
Os diferentes ramos do conhecimento não conversam entre si. Essa é a realidade. Quem trabalha com ambientes florestais, ecologia e agricultura orgânica sabe, desde 1960, que as plantas absorvem Nitrogênio orgânico, não só via foliar, como querem nos fazer acreditar para tornar essa via uma modalidade, por assim dizer, “menor” dentro do grande esquema da nutrição vegetal, mas também via radicular e agora podemos até quantificar, ou seja, 80% via amino ácidos e proteínas e somente 20% via N mineralizado, isto é, NH3 e NO3.
Winston Churchill já dizia que “não se pode enganar todas as pessoas todo o tempo”. É o caso.
Termino esse artigo com a minha propositura das plantas sendo Mixotróficas e convidando a todos aqueles que ainda acreditam na mineralização, que expliquem a imagem abaixo por essa atual teoria, sendo que a parcela da esquerda não recebeu nem uma só grama de qualquer fertilizante químico solúvel a mais que a parcela da direita. A única diferença entre as duas parcelas foi apenas uma pulverização a menos de Azospirillum, B. subtilis, Bradyrhizobium e um complexo biológico denominado Bacsol, ou seja, somente agentes biológicos, na parcela da direita.

José Luiz M Garcia
Instituto de Agricultura Biológica
Março de 2020
Referências
- Marschner, Horst (2003) Mineral Nutrition of Higher Plants, Second Edition, Academic Press, ISBN 0-12-473543-6 (PB ), 889 pgs.
- Rateaver, Bargyla & Gylver Rateaver (1993) ORGANIC METHOD PRIMER, UPDATE, Special Edition, The Rateavers, P.O. Box 26567, San Diego California,92196-0567, 596 pgs.
- Inselsbacher, Erich (2012) The below-ground perspective of forest plants: soil provides mainly organic nitrogen for plants and mycorrhizal fungi, New Phytologist, 195: 329-334, doi: 10.1111/j.1469-8137.2012.04169.x
- Näsholm, Torgny, K. Kielland & U. Ganeteg ( 2009) Uptake of Organic Nitrogen by Plants, New Phytologist, 182: 31-48, doi: 10.1111/j.1469-8137.2008.02751.x
- Jensen, W.A. & A.P. McLaren (1960) Uptake of Proteins by Plant Cells – The possible occurence of pinocytosis in plants, Cell Research, 19 ( 2 ) : 414-417, March 1960.
- Epstein, Emanuel ( 1994 ) The anomaly of Silicon in Plant Biology, Proc. Natl. Acad. Sci. USA Vol. 91, pp. 11-17, January 1994.
- Garcia, J.L.M. ( 2019 ) A Lei do Máximo, Blog do Instituto de Agricultura Biológica, http://www.institutodeagriculturabiologica.org
- Garcia, J.L.M. ( 2020 ) Plantas são sencientes, Blog do Instituto de Agricultura Biológica, http://www.institutodeagriculturabiologica.org
Excelente texto, realmente ó sucesso do Plantio Direto passa por este modelo. Contudo não podemos ser radicais e anular os fertilizantes atuais mas juntar aos biológicos.
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Obrigado. Agradeço.
Mas por outro lado eu pergunto :
Em que parte do meu texto eu sugeri que deveríamos abandonar os fertilizantes atuais ?
Não me recordo de ter sugerido nem por um nano segundo essa hipótese.
O que eu disse , e repito, é que existe todo um esquema para vender adubo que começa
na universidade, e passa pela Embrapa Solos, sem levar em conta as novas descobertas
científicas das ultimas 5 a 6 décadas. Ponto.
Mas já que você mencionou eu creio que existem sim “fertilizantes atuais” que precisam ser
eliminados.
O Cloreto de Potássio é um deles.
E precisam ser eliminados porque não fazem sentido algum, hoje em dia, a luz do que se
sabe sobre ele.
Leia o meu artigo : “O Olavo tinha Razão ” e depois me diga se eu tenho ou não tenho
razão.
Se quiser pode ler outro trabalho chamado : The Potassium Paradox que faz parte das referências
desse meu artigo.
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Garcia, por acaso a foto acima não saiu invertida?
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Qual seria a foto ?
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Se por acaso você estiver se referindo a foto do final do artigo, havia um erro
de redação que agora já foi solucionado.
Não está invertida não.
A metade da esquerda recebeu a pulverização de biológicos.
e está normal.
A metade da direita não recebeu a pulverização.
e está pior.
NPK nesse caso não representou nada.
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Eu tenho apenas uma dúvida, por que você sempre destaca a Embrapa Solos em suas postagens e não as demais unidades de Embrapa e a Organização como um todo. Existem outras unidades mais aprofundadas na fisiologia vegetal. Só uma dúvida que eu tenho quando leio seus artigos.
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Boa Tarde,
Vamos por partes.
1. Eu não escrevo postagens eu escrevo artigos.
Seriam sobre esses que você estaria se referindo ?
2. Eu não “destaco” a Embrapa Solos. Eu menciono a Embrapa Solos
porque é uma coisa anacrônica situada no Jardim Botânico do Rio
de Janeiro. Eu critico a Embrapa Solos porque chegou aos meus ouvidos,
de fontes bem confiáveis, que alguns, eu disse alguns, pesquisadores de
lá são vendidos a industria de fertilizantes. Não todos obviamente. E ISSO
É SIMPLESMENTE UMA VERGONHA.
3. Você menciona que “existem outras unidades mais aprofundadas na fisiologia
vegetal “, porém essas unidades aparentemente não são vendidas a iniciativa privada e,
portanto, não precisam e nem merecem serem criticadas.
E pra falar a verdade eu realmente não entendi direito qual foi o real objetivo da sua pergunta.
Quando escrevi os meus artigos, eu sempre deixei claro que estava criticando apenas aquela
determinada unidade que mente, eu disse mente, sobre o papel dos pós de rocha.
E veja bem, mesmo que exista gente boa dentro da Embrapa , e eu até acredito que exista,
eu não conheço um, um único apenas, que não pense de forma não Cartesiana.
E é esse pensamento, o chamado pensamento científico cartesiano, que não resolve os nossos problemas.
Entendeu ?
Querem mudar controle de insetos químico pelo controle biológico. Acreditam que as plantas se alimentam
somente de íons químicos solúveis e vai por ai à fora.
Nunca passou pelas cabeçinhas desses senhores que existem outras formas da realidade se manifestar.
Nunca passou pela cabeçinha deles que as plantas saudáveis não estão sujeitas ao ataque de insetos e
de doenças.
E isso, minha cara, na minha maneira de ver as coisas, não é ter conhecimentos “aprofundados em fisiologia
vegetal “.
Veja bem : Eu não estou falando de títulos acadêmicos. Isso eles tem de sobra, geralmente as custas
do nosso dinheiro. Eu estou falando é de conhecimento sobre a realidade, sobre a Natureza.
Isso eles não tem infelizmente.
Sinto muito.
Atenciosamente
José Luiz M Garcia
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