Manejo Biológico de Mato
Há algum tempo atrás fui convidado pela Faculdade de Ciência Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal, FCAV-UNESP, para dar uma palestra sobre o Manejo Biológico de Plantas Daninhas ( Mato ), em um evento da Faculdade de Agronomia mas infelizmente não pude atendê-los em função de compromissos pessoais.
Entendo que, por “Manejo Biológico de Plantas Daninhas ou Mato”, eles estivessem se referindo a outras formas de contrôle de mato que não as usuais formas convencionais que se apoiam totalmente no uso de substâncias tóxicas.
Aproveito essa oportunidade, contudo, para tentar me redimir pela minha ausência naquele evento.
Seria totalmente fora de propósito da minha parte tentar em um simples artigo, ou até mesmo em uma palestra, apresentar alguma maneira de controlar eficientemente as plantas ditas daninhas (mato) com o mesmo nivel de facilidade que o uso de alguns herbicidas, porém, embora eu ainda não disponha de todas as respostas eu, com certeza, tenho várias informações e questões que gostaria de adiantar e colocar para que esse assunto seja melhor entendido, e dessa forma contribuir para um melhor entendimento desse manejo.
Além do mais, nessa ultima década, alguns importantes resultados foram obtidos com relação ao Manejo Biológico de Mato e que devem ser compartilhados e divulgados.
Como já foi dito anteriormente, parte da solução de qualquer problema consiste em se formular as perguntas corretas. O cientista Albert Einstein certa vez declarou que :
“Nós não podemos solucionar nossos problemas com o mesmo raciocínio que usamos para cria-los”. É preciso encarar antigos problemas com uma nova forma de raciocínio e não com o mesmo raciocínio que os criaram.
Portanto, é fundamental que uma mudança de paradigma aconteça para que tenhamos, pelo menos, um melhor entendimento de como as coisas se processam na Natureza.
Arden Ardensen, prefaciando o livro de Charles Walters, sugere que o primeiro passo para quem deseja controlar o mato sem entrar em guerra contra a Natureza com o uso substancias tóxicas, é uma mudança de atitude. Portanto, algumas decisões deverão ser tomadas, sem as quais o manejo biológico não irá funcionar. A primeira decisão é o produtor se tornar um agricultor ao invés de um mineirador (extrator de minerais) do solo. Depois, decidir entregar o solo em melhores condições do que quando o recebeu, e finalmente aceitar a responsabilidade pela sua saúde, da sua família e, em ultima analise, do seu país ( 1 ).
Isso implica também em se abandonar o conceito biocida de que devemos matar a tudo e a todos que estejam nos incomodando. Plantas daninhas poderão ser desestimuladas a crescer em determinados terrenos se promovermos a microbiologia do solo e enfatizarmos a correta fertilidade do solo.
Por isso, me causa até uma certa tristesa quando vejo produtores “orgânicos” de milho tentando controlar o mato com geringonças importadas complicadas e caras destinadas a vaporizar o mato por meio da chama de queimadores de gás. Eles realmente não conseguiram entender nada sobre o controle de mato e insistem nessa técnica que, embora não agrida o meio ambiente, em nada difere da visão convencional do controle químico. Esse método, sem dúvida alguma, pode até ser aprovado pelas normas orgânicas mas certamente não o é pelas leis da biologia e da Natureza.
O mato é, antes de mais nada, uma indicação do que está errado na maioria das vezes (ou do que está certo) ou, pelo menos, o que estaria errado ou certo com o seu programa de fertilidade do solo . Pelo menos quanto a isso vários autores concordam.
O mesmo já não acontece com relação a definição de mato. A definição que prevalece sobre o mato seria a de que são “plantas que nascem e se desenvolvem fora do lugar”, mas essa é uma definição totalmente antropocêntrica, ou seja, é uma visão sob o ponto de vista do ser humano que se acha superior a toda e qualquer forma de vida existente sobre a face da Terra.
Segundo o Professor de Solos William Albrecht, as plantas daninhas seriam “plantas que conseguem crescer em solos cuja baixa fertilidade não permite que plantas cultivadas cresçam” mas também enfatizava que, sob o ponto de vista do gado, elas seriam “ plantas cujo baixo valor alimentício não as faziam merecedoras de serem comidas”. Hoje sabemos que existem inúmeras exceções já que várias plantas consideradas daninhas tem um perfil nutricional de elevada qualidade e são, por isso mesmo, apreciadas pelo gado.
Já para Frederic Clements, um botânico que foi um dos primeiros a estudar as plantas sob o aspecto ecológico, em 1920, cada espécie de mato seria um indicador, ou seja, seria um reflexo das condições do solo onde crescem. Aliás, essa idéia de que cada planta daninha seria um indicador é bastante antiga e não uma idéia recente, formulada por Primavesi, como a maioria dos agricultores ecológicos brasileiros costumam crer. Plantas daninhas não são um problema. Elas simplesmente são um indicador ou um reflexo de algum tipo de problema, seja deficiência ou seja excesso. Albrecht, aliás, dizia que, no solo, o excesso de determinado elemento, obrigatoriamente implica na deficiência de outro elemento e vice versa ( 3 ).
O Mato, na verdade, é uma tentativa da Natureza de corrigir algum tipo de problema. Como ela abomina o vazio (em todos os sentidos), o mato seria a forma que a Natureza dispõe para corrigir problemas de solos descobertos, erosões, hardpan, compactação, drenagem, salinização, baixa atividade microbiológica do solo, baixo teor de humus, porosidade, umidade, acidez tóxica ( Aluminio), Crosta (relação Ca/Mg inadequada) além de teores de macro e micronutrientes inadequados no solo.
Na medida do possível, devemos sempre levar em consideração o que o mato está tentando nos dizer e todas as nossas ações deverão estar voltadas para que as condições que propiciaram o seu aparecimento sejam corrigidas e deixem de existir. Essa é a nossa tarefa como agricultores biológicos. Simplesmente eliminando o mato, com qualquer método escolhido, não irá mudar essa realidade.
Hoje em dia, o controle de mato passa por se ter um perfeito entendimento do que seja “Plantas de Cobertura”. Essa técnica visa não deixar o terreno descoberto enquanto melhora uma série de outros parâmetros do solo como fixação de carbono, aumento do teor de humus, porosidade, reciclagem de nutrientes, retenção de umidade, aumento da CTC, etc…
Essa técnica aliada ao uso do Rolo Faca permitiu que vários produtores biológicos americanos hoje possam orgulhosamente dizer : “No more Glyphosate !” ou “Glifosato nunca mais !!!! “ ( 6 ).
Como agricultores biológicos é fundamental que tenhamos a mente sempre aberta. Não é porque a miopia acadêmica alijou das ciências biológicas a disciplina da Física, que isso signifique que ela não exista e não deixe de influenciar a nossa vida e as dos demais organismos biológicos 24 horas por dia. Assim, o Dr. Phillip Calahan, que desvendou a comunicação dos insetos no espectro infra vermelho, acreditava que os pêlos e trichomas que existem nas plantas seriam na verdade antenas sintonizadas para captar e receber determinadas frequências específicas do Cosmos. Segundo ele, essas energias são necessárias ao solo para corrigir determinados desequilíbrios e elas chegariam ao solo através da plantas daninhas ou do mato ( 2 )
De fato, esse mesmo aspecto era compartilhado por Rudold Steiner que tinha a Urtiga ( Urtica dioica ) em elevada consideração como sendo uma das chamadas “plantas dinâmicas”. Essa planta contém inúmeros pêlos e estruturas distribuidas pelas suas folhas e caules e é conhecida desde a antiguidade como sendo uma planta de elevado valor medicinal. De acordo com Pfeiffer ( 4 ) a Urtiga tem pelo menos tres propriedades que ilustram a sua característica dinâmica:
- Faz as outras plantas crescer mais resistentes.
- Interfere nos processos químicos nas plantas ao seu redor
- Estimula a formação de Humus.
É necessário que comecemos a olhar as plantas supostamente daninhas por um outro prisma. Várias delas são excelentes forrageiras e excelentes plantas medicinais o que dá ampla razão a Ralph Waldo Emerson quando escreve: “O que seria o mato ? É uma planta cujas virtudes ainda não foram descobertas”.
Um dos melhores trabalhos que eu conheço, escritos até hoje sobre Plantas Daninhas é o excelente livro de Jay L. McCaman ( 2 ) que pode ser adquirido junto a Acres USA ( www.acresusa.com) , ou até mesmo diretamente com o autor, When Weeds Talk ou “Quando o Mato Fala”. Nesse livro, o autor teve todo o trabalho de reunir a maioria das Plantas Daninhas existentes nos EUA ( várias das quais também existentes no Brasil ) e listou todos fatores que pre-dispõe o seu crescimento. Esse livro é uma re-edição do livro “Weeds and Why they Grow” publicado em 1994.
Da leitura atenta desse livro uma coisa que nos chama a atenção é que a maioria das plantas daninhas são favorecidas por baixo Cálcio, baixo Fósforo e Potássio elevado. Eu diria que mais de 90% do mato é favorecido por esses tres fatores, dai a importância de se corrigir o solo baseado na correção adequada de bases como preconizado pelo Método Albrecht e não pelo método míope preconizado pela academia de se levar em consideração apenas o pH e não a proporção adequada entre as bases ( Cálcio, Magnésio, Potássio ) que justamente, quando em teores reduzidos, são justamente as responsáveis pelo resultado do pH baixo e da acidez elevada ( 3 ).
O acúmulo de Potássio na saturação de bases acima de 7 ou 8%, segundo alguns consultores em agricultura biológica, favoreceria muito o crescimento de gramineas mas de uma maneira geral de todas as ervas. O esterco de gado por exemplo, bem como o Composto, tem reputação de favorecer o aparecimento de gramíneas e muitas vezes os agricultores atribuem esse fato a existência de sementes de gramineas não digeridas. O que eu tenho observado é que esse favorecimento esteja mais relacionado com o aumento de Potássio na saturação de bases do que a existência de sementes de gramíneas viáveis, propriamente ditas, tanto no esterco de gado quanto no composto.
Dessa forma, de acordo com McCaman ( 2 ) a Corda-de-Viola ou Ipomoea sp. seria o resultado de Cálcio baixo ou muito baixo, Fósforo baixo ou muito baixo, Potássio alto ou muito alto, Magnésio alto ou muito alto, Humus baixo, Bactérias baixas, entre outros.
Um consultor em Agricultura Biológica bastante conhecido nos EUA, com o qual tive a oportunidade de estudar em 1998, o Dr Phill Wheeler, nos informa que a relação ideal de Fósforo/ Potássio para se ter o mato sob controle seria a de 1:1. Qualquer desvio dessa relação a favor do Potássio favoreceria o crescimento de mato ( 5 ). Entretanto, é necessário enfatizar que esses valôres deverão ser avaliados pelo Método La Motte de analise de solos quando se usa um extrator fraco a base de acetato de amônia, o que não nos permite qualquer extrapolação para os resultados obtidos com os metodos de analise de solo utilizados hoje pelos laboratórios brasileiros e americanos.
Atualmente nos EUA, os agricultores biológicos estão usando muito dois tipos de produtos para ajudar no controle de mato. Eles estão usando em pré plantio ou imediatamente pós plantios pulverizações de produtos à base de Cálcio liquido sozinhos ou em combinação com Fósforo, conforme informa o consultor e autor, Dr Phil Wheeler ( 5 ).
Uma vez que Cálcio e Fósforo na forma solúvel são incompatíveis, isso somente se tornou possível a partir do advento de novos produtos que usam a nanotecnologia ou micronização, como o Calcário micronizado a 500 mesh ( Premium Cal 33 ) e Fosfato Natural micronizado a 500 mesh ( Phos Cal 22) que contém ambos Ca e P porém na forma de suspensão emulsionada. Também, poderá ser usado o Guano micronizado como fonte de Cálcio e Fósforo. Esses produtos apresentam a vantagem adicional de aumentar os teores de Cálcio e Fósforo na seiva, que são os maiores responsáveis pelo aumento do Brix da planta e todos os seus benefícios indiretos (maior teor de minerais, maior resistência a insetos, maior resistência a doenças) e no solo também são prontamente absorvido tanto pelas raízes quanto pela micro vida do solo, propiciando uma explosão dessa que irá, então, solubilizar todos os demais nutrientes.
Esses produtos não só agregam Cálcio e Fósforo como também ativam a microbiologia do solo. Quem usou garante que a diferença entre os talhões tratados e não tratados é bastante visível e de que esses produtos , por algum tipo de mecanismo, realmente tornam o ambiente desfavorável ao crescimento de plantas daninhas. Na minha opinião seria uma forma de você garantir a cultura plantada uma posição de vantagem na mato competição e com isso garantir o seu estabelecimento de forma mais rápida.
É meu entendimento que até os produtos à base de Cálcio disponíveis no mercado brasileiro, na sua grande maioria formulados com Cloreto de Cálcio, e outros formulados com Lithothamnium micronizado (Algen SH), tenham o mesmo efeito quando misturados com melaço liquido na base de 50% de cada.
As doses empregadas e que deram bons resultados no contrôle de mato nos EUA foram dois galões de Cálcio liquido ( aproximadamente 7 litros ) mais 7 litros de melaço liquido por hectare ( 5 ).
Portanto, espero ter inspirado, com essa pequena contribuição, a todos aqueles agricultores que desejem usar a cabeça, não para colocar boné com nome de multinacional do veneno, mas sim para solucionar os nossos problemas do dia a dia do campo, para que tenhamos um alimento mais saudável e seguro para sí, sua família e para toda a população, bem como um custo de produção mais reduzido.
José Luiz M. Garcia
Instituto de Agricultura Biológica
Fevereiro de 2018.
Referências
- Walters, Charles (1999) WEEDS – Control Without Poisons, Acres U.S.A., Metairie, Louisiana, 352 pgs.
- McCaman, Jay L. (2013) WHEN WEEDS TALK, Jay L. McCaman, P.O.Box 22, Salt Lake, Michigan 49343-0022, 141 pgs.
- Garcia, J.L.M. (2015) Equilíbrio de Bases adequado e Fertilidade do Solo, https://institutodeagriculturabiologica.org/2015/05/16/equilibrio-de-bases-adequado-e-fertilidade-do-solo.
- Pfeiffer, Ehrenfreid E. (1970) WEEDS and What They Tell, Bio-Dynamic Farming and Gardening Association, Inc, Kimberton, PA, USA, 96 pgs.
- Wheeler, Phillip (2017) Natural Weed Control, Eco Farming Daily, http://ecofarmingdaily.com/natural-weed-control/
- Calegari, Ademir ( 2017 ) Comunicação Pessoal.
Vida longa e plena saúde Zé. Grande abraço.
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Parabéns
São práticas e conseitos importantíssimos
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Muito Bom o Artigo. Parabéns
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Muito Obrigado.
Aproveite para divulgar esse blog entre os seus conhecidos.
Abs
Jose Luiz
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Olá Sr. José Luiz, a embrapa disponibilizou uma nova tecnologia de análise/recomendação (http://www.specsolo.com.br/). Gostaria de saber do senhor se por essas análises consigo aplicar o método Albrech e as análises desse modelo são confiáveis.
Obrigado, admiro muito seu trabalho.
André Berti
Eng. Florestal
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Caro Andre Berti,
Eu conheço muito pouco sobre aquele método para poder emitir uma opinião melhor sobre o
mesmo.
Para que essa tecnologia possa ser usada no Método Albrecht ele teria que levar em conta o fator de extração
que William Albrecht usava com o acetato de amônia.
Entretanto, não se trata de ter ou não ter um método como eles descrevem “não destrutivo
ou não invasivo “. Isso aqui não é Medicina.
Todo e qualquer método de analise de solos usado até o momento já é suficientemente preciso
para determinar as quantidades dos minerais existentes no solo. Pequenas variações entre um
e outro são totalmente desprezíveis.
Ou seja, não se trata de precisão de análise pois não estamos enviando um foguete a Lua.
Estamos propondo uma correção do solo, muitas vezes com uma analise para 20 hectares ou até mais.
Isso multiplicado por 20 ou 30 cm de solo agricultável e estaremos falando de milhares de toneladas
de solo.
Perguntar não ofende : Que diferença faria um kilo de alguma coisa em milhares de toneladas ?
A menos que esse kilo fosse de alguma substancia extremamente tóxica o que não é evidentemente
o objetivo desse novo método de analise da Embrapa.
O problema não reside na precisão das analises mas sim na extração. Como ninguém até hoje foi uma
planta,para dizer qual é o melhor extrator, tudo será sempre uma mera questão de opinião.
Em outras palavras, todo extrator nada mais é do que um “chute” ou como dizem os americanos um
“educated guess” e nesse caso um “chute educado “ou “chute erudito”, mas ainda assim um CHUTE.
Além desse problema da extração temos associado a isso uma visão deturpada na interpretação dos resultados das
analises. Se querem corrigir o solo baseado no pH do mesmo então toda essa precisão terá sido em vão.
Deu para entender mais ou menos aonde reside o problema ?
Portanto, não creio que esse novo método irá solucionar o problema porque não está indo diretamente
ao ponto, ou seja, tentar colocar as bases trocáveis no seu devido lugar , sem contar com o fato de que ainda por cima
trata o solo como uma entidade puramente química, o que hoje sabemos ter sido um erro que começou em
1840 com Justus Von Liebig.
Já está mais do que na hora de começarmos a tratar o solo como uma entidade fisico-quimica-biológica.
Saudações
José Luiz M Garcia
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Boa noite, Dr. José Luiz M Garcia. Sou Roberto Pereira Lima, agrônomo com 35 anos de fomado em Jaboticabal. Lendo suas publicações, sei que você sabe que todo o conhecimento agronômico que tive foi baseado em fórmulas e conceitos ultrapassados. E como tudo na vida tem seu tempo, demorei muito tempo para perceber que tinha que fazer uma agricultura pró-vida, o que era totalmente o oposto da agricultura pró-norte que apreendi. E faz só dois anos, que estou experimentando a agricultura sustentável que nasceu lá em Mineiros-GO. Eles pregam o uso da multiplicação microbiológica “on farm”, uso de revitalizadores de fertilidade (pó de rocha) e, uso de mix de sementes para formar palhada e, erroneamente chamado de adubação verde. Só que ainda usam herbicidas, por não terem nenhuma outra técnica para o controle do mato. Por favor, o que o senhor acha da agricultura sustentável e o que o senhor recomendaria a um agricultor que quer virar um “Glifosate free” ?
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